segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A falta que eles fazem - Meu presente de Jane


                                 
                               A falta que eles fazem

     Papai Zeca                                                                                                           Mamãe Anita                                                                                   


                               Meu  Presente de Jane



A ideia de remontar minhas memórias teve um grande impulso quando comemorei com os parentes e amigos meu aniversário de  50 anos. Dos muitos presentes valiosos que ganhei, um deles me sensibilizou especialmente: a caixa que recebi de minha irmã Jane. Dessa pequena arca maravilhosa, retirei fotos, a maioria que desconhecia, e um texto primoroso, na linguagem e nas imagens representadas, em que Jane reconstituía cenários, personagens e passagens da história de nossa infância. Reproduzo, a seguir, essa relíquia textual, digitalizada integralmente, para guardar, em sua essência documental, seu valor como oração.


A infância feliz na casa da Estação: Mamãe, Dodora, Jane, Ana , José Carlos , Guilherme (no colo).
De terno, o sobrinho Geraldo Carielo (São Vicente, 1950)
                                                 
   Na mesa de jantar da casa de São Vicente: Jane, Lucas, Nina, papai, Dodora, Márcio,
Márcia, José Carlos (de costas)
Jane, entre papai e Dodora

O privilégio do aplauso de meu pai, no meu aniversário de 50 anos

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

                           
    A falta que ele faz
    José Rezende
22/12/2010 - 22/12/2011 
                       


                     








                               Dignidade e honra

                                                                    

        "Estamos nos aproximando do primeiro aniversário de morte do pai de nosso pai.
Lembro de um episódio ocorrido no início da década de 1980 que poderia ter-lhe abreviado a vida, tal o desgosto que lhe causou.
        A história começou com a perda prematura do canadense Arne, seu grande amigo e aliado de todas as horas, desde a morte do patriarca Bartholdy. De repente a Empresa (Laticínios Campo Lindo) viu-se sem uma pessoa para gerenciar os negócios da filial no Rio de Janeiro.
        Na família do patriarca havia outro genro que estava disponível e desempregado. De meia idade e muito perspicaz,atendeu prontamente ao convite do papai para assumir a gerência comercial da Empresa, o que o fez com grande competência, tendo, em pouco tempo, conquistado o apoio dos outros sócios. 
         Para resumo da história, colocou nosso pai num total isolamento, culminando com sua retirada da Gerência de produção numa mudança contratual rasteira, na calada da noite. Pouco faltaria para que o 'velho' senhor ( este foi o argumento usado para colocá-lo num cargo simbólico de "Presidente Consultivo" da empresa) tivesse sido acometido de um enfarte, tal o grau de contrariedade que isto lhe acometera.
        Enfim, a história mostrou que sua capacidade de recuperação e sua dignidade em não reagir seria a melhor resposta pois seu caráter estava acima de qualquer baixaria e a volta por cima seria dada com vigor e intensidade. Este foi "seu Zeca",um homem de honra.
         Nossa homenagem e eterna gratidão pela lição de vida e abnegação, principalmente com nossa querida mãe Anna Menezes de Rezende. Que Deus os tenha num lugar reservado aos seguidores e discípulos mais fiéis,junto à Nossa Senhora Aparecida."

José Carlos de Rezende - 22/12/2011



Anita, Mariinha, Inês, Jane, Ana e José Carlos. Casa da Estação, início da década de 1950


                         Favacho
                                           

Favacho, Lobos, Olhos D’Água,  Campo Lindo:  esses eram os meus destinos. Mal dormia, nos meus dez anos, à espera desses lugares. A noite passava entre desejos e pesadelos.
Cinco horas da manhã, meu pai me chamava. Em um pulo só, eu me levantava, corria para o banheiro e, num segundo, tomava café, estava  de prontidão na porta do Ford F.600 verde que o Zé Raul pilotava.Papai trazia cuidadosamente a marmita que mamãe preparara na véspera.
Já acomodados na cabine do caminhão, Zé Raul dava marcha àquela repetida peregrinação e Zuza, lá na carroceria, ainda dormia pedaços da noite passada. Entre solavancos da estrada de terra, o dia nascia para mim como uma promessa de aventura.

Vagarosamente, a estrada se rendia. Cada quilômetro uma eternidade. Fazenda Nova, Dermeval, Xavier: todas as fazendas que passavam eram uma só. No olhar curioso do menino, em cada curva se abria uma descoberta. Uma serra aqui, um mata-burro logo ali, um pinheiro avultando na beira do rio.  O caminho guardava surpresas.
Lá ia eu entre meu pai e o Zé Raul olhando tudo. No horizonte que surgia na tela do caminhão como desenho de paraíso, paisagens desfilavam sedutoras. No caminho, poucos carros cruzavam conosco. De tempo em tempo, avistávamos uma silhueta de alguém cavalgando, nada mais.
No verão, a chuva de vários dias deixava a estrada tão enlameada que era preciso botar corrente nos pneus do caminhão. Só desse jeito era possível superar os sulcos profundos de barro e mesmo assim, nos trechos piores, não havia como evitar a derrapagem. Nessas horas, mais  forte do que o medo era o prazer de ficar atolado. Meu pai e Zé Raul logicamente não gostavam dessa situação, mas eu me encantava com todo o esforço e engenho para tirar o caminhão do atoleiro.
Fazenda dos Lobos
A primeira fábrica que a gente visitava era a do Olhos d’água. Seguia papai para desfrutar daquela deliciosa missão. Com o furador de prata, papai retirava de alguns queijos, escolhidos ao acaso na câmara fria, uma amostra para verificar se estavam em processo regular de maturação. Daquele pedaço, meu pai me dava sempre a metade, que eu comia solenemente como se estivesse experimentando a essência do queijo. O pedaço que restava era recolocado no pequeno buraco feito pelo furador. Até hoje não sei porque me enchia de orgulho ver aquela cicatriz que me lembrava que fora o eu o primeiro a conhecer a intimidade daquela forma de queijo.
 Nas outras fábricas, o ritual se repetia com a mesma cerimônia.
Depois dos Olhos d’água, nos dirigíamos, já com parte da carroceira carregada de queijos, para a fábrica dos Lobos. Apesar de nunca ter visto um lobo em minhas andanças, intrigava-me o nome daquela fazenda. Meu pai, pacientemente, me contava que, no passado, muitos lobos habitavam aqueles campos e que, até hoje, alguns poucos sobreviviam nas matas.

Fazenda Campo Lindo 
Cumprida a programação o próximo destino era a fazenda do Campo Lindo, nome também do Laticínios porque lá foi a primeira fábrica da empresa. O que mais me impressionava no Campo Lindo era a imponência do casarão colonial, de dezenas de janelas, onde morava o dono, Urbano Junqueira. Meu fascínio pelo lugar aumentava justamente por causa dele, o senhor Urbano. Muito rico, solteiro, na minha imaginação ele se igualava a um herói dos filmes e revistas, um cavalheiro de um tempo longínquo demais.
A vaca Jardineira, com seus mais de quarenta litros de leite de produção diária, despertava-me também grande admiração. Como não entendia como uma única vaca podia dar tanto leite, Jardineira passou a fazer parte também de meu imaginário. Aquilo não era um animal comum e, conforme comentavam Zuza e Zé Raul, por ser tão valiosa, Jardineira tinha instalações mais confortáveis do que muitas pessoas.
O roteiro terminava enfim na fazenda do Favacho. O caminhão com a carroceria quase cheia de queijo, estacionava no pátio da fábrica por volta das 10 e meia da manhã. Pelo menos para mim, aquele era o momento apoteótico da viagem.
Antes de entrarmos na fábrica, papai pegava as latas de marmita e nós quatro íamos para perto da caldeira. A comida já fria recuperava toda a energia no calor da caldeira. Instante mágico, enquanto Zé Raul e Zuza se acomodavam debaixo de uma árvore, eu celebrava junto de meu pai, hoje sei, o momento mais feliz de minha vida. Naqueles movimentos tão triviais, conquistava o que todo menino de minha idade gostaria de possuir: a segurança aconchegante da mãe combinada com o espírito de aventura proporcionado pelo pai.
Depois do êxtase, só queria mesmo um breve cochilo no gramado do Favacho.
Fazenda Favacho
                              

         Guilherme Jorge de Rezende- São João del-Rei, 27 de agosto de 2002

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011


                    A falta que ele faz



Zeca e o neto Fernando, na casa de  São Vicente
A falta que ele faz doeu muito  a cada dia que passou nesses últimos 12 meses. Dia 22, quinta -feira que vem, celebramos a nossa saudade de papai. Saudade da proteção e segurança que sua presença entre nós inspirava. Ao perdê-lo, ficamos sem nossa referência principal, a nossa bússola de orientação. Mesmo nós, todos seus filhos e filhas com mais de sessenta anos de idade. Foi como se retornássemos a um período de nossas vidas, em que ele e mamãe nos conduziam pela mão. 


Família Menezes de Rezende com Ivone Norremose à direita e uma vizinha com a filha, à esquerda.
Guilherme está no colo da mãe. Márcio é o único ausente na foto. Casa da estação em São Vicente, 1951 
A saudade que evoca a sensação de perda também suscita sentimentos reconfortantes. Aprendemos com papai o valor de princípios essenciais a uma vida digna: a responsabilidade perante a si mesmo e aos outros, o trabalho como fonte de realização e sobrevivência, a honestidade em todas as relações.  De todas as virtudes, uma ele nos legou especialmente: a simplicidade. Nunca se deixou impressionar pelo sucesso como empresário e homem público, foi fiel aos seus familiares, aos amigos e aos empregados, com os quais convivia como se fosse um deles. Alguns até se tornaram seus amigos: Juquinha, Joãozinho, Renato, Joaquim, Roberto.
Da esquerda para direita: Bartholdy, Tio Carlito,  Zeca e  a filha Ana. São Vicente de Minas , por volta de 1954


Na lealdade a quem lhe deu oportunidades (Seu Bartholdy), ou foi incondicionalmente solidário (Tio Carlito, Arne) manifestava também o seu senso de gratidão e amizade.  Tamanha ou maior intensidade de afeto se notava no carinho que devotava  aos pais e ao irmão que morreu,  ao mais-que-irmão, Datinho, e às irmãs Semírames, Ondina e Maria Isabel. De tão grande, essa afeição se estendia a outros parentes, como os  primos queridos, Geraldo e Chichico. Que me perdoem aqui todos que aqui se incluem nessa lista e que não tiveram os nomes mencionados, parentes ou não. 


Os filhos na casa de Lavras: Inês, Guilherme, Jane, Dodora, Márcio, Ana e José Carlos 






















Depois de respirar fundo para enfrentar os efeitos de tantas recordações, começamos, a partir de hoje, neste blog e por outros meios de expressão, a resgatar a memória de Zeca, o irmão, o filho, amigo, o colega, o patrão, o marido, o avô, o PAI. Será uma maneira de ludibriar a morte e eternizar a sua existência. Só assim, poderemos resistir à dolorosa ausência e transformar a saudade em promessa de um glorioso reencontro em outras dimensões.





Bom dia Guilherme.

Tentei acessar os comentários mas não sei como funciona. De qualquer forma,estou lhe enviando fragmentos de uma tentativa de escrever alguma coisa que fiz em 2006,com forte cunho auto-biográfico.Vamos lá:

                                                                1958
                                                          
Era uma fria manhã de inverno e ele, um garoto de uns dez anos, esperava( com um sentimento que se aproximava mais de uma perda de algo muito querido ) seu pai que tomava café na sala de jantar.

O vento era cortante pois era agosto e esta era uma característica do clima na região montanhosa e solitária onde viviam. Embora bastante agasalhado nada podia desfazer aquela sensação de perda, a angustia da solidão, aliada ao receio do desconhecido. Com certeza esta era a sensação do que mais tarde viria a sentir novamente: um frio na barriga.

-Lourenço, onde está você? Não se esqueça de lavar as mãos antes de sairmos.Já colocou as suas coisas no carro?

Era sua mãe, uma senhora deliciosamente alegre e cativante, talvez um pouco alegre demais para os padrões, mas, sem dúvida, uma pessoa extremamente gentil.

Aparentava ser mais velha do que deveria, mesmo porque, apesar de toda a disposição que apresentava,viu-se acometida precocemente de uma doença neurológica que lhe fazia tremer as mãos e que, mais tarde, soube-se tratar do mal de Parkinson.

Disposição também não faltava ao pai, acostumado ao trabalho desde pequeno. Este aparentava ser mais jovem que sua mãe, até porque gozava de uma saúde de ferro.

Seria de bom alvitre agora apresentarmos ao leitor o motivo que levava a despertar no jovem Lourenço este sentimento de pura consternação.

É que no lugar onde moravam não havia como estudar após concluir o curso primário e, para prosseguir nos estudos, fazia-se mister que os jovens, mesmo que ainda crianças, fossem para um colégio interno,em outras cidades.

Paremos agora para refletir sobre esta situação em que se encontrava o desolado Lourenço: se ver, de repente, sozinho, num lugar estranho, distante de seus pais, de seus irmãos e amigos, de todas as coisas que lhe eram tão queridas e, porque não dizer, indispensáveis?

No sacolejar do carro na poeirenta estrada em que viajavam, ia Lourenço no banco traseiro, calado mas sem contestar, pois sabia ser isto inútil e que ainda poderia lhe custar umas boas palmadas.

Talvez a grande e maior lembrança do internato tenha sido quando, ao ser deixado no dormitório dos meninos menores, com sua pequena mala sobre a cama, ouviu o ruído de um carro que se afastava e, ao chegar na janela do segundo andar, conseguiu ainda rever o carro em que estavam seus pais se afastando e deixando um rastro de poeira e Lourenço na mais profunda solidão.”

Saudades.
José Carlos Rezende.





Oi José Carlos.
 Seu conto é profundamente tocante. Fiquei muito emocionado.
Abs.
Guilherme


Oi Guilherme,
Obrigado pelo que escreveu.
Eu já havia escrito sobre isto alguns anos atrás e coloquei no computador em 2006.
À época,o título era 1958 pois remetia também à copa na Suécia.
Enfim,faça dele o que lhe aprouver.O motivo continua sendo nossos pais.
Abraço.
José Carlos. 



O pai, Zeca, entre os filhos Guilherme, José Carlos e Márcio e os netos, Daniel (no colo de José Carlos) e Cláudio (ao lado do pai, Márcio). Casa de São Vicente, por volta de 1977.





Família Menezes de Rezende, por volta de 1949, em frente à casa da estação, em São Vicente de Minas. José Carlos está no colo da babá Mariinha

                          
Anita, "uma senhora alegre e cativante"


















   

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

De olho nas oportunidades

Termino o ano entre recordações do passado, gratificações do presente e perspectivas para 2012. No sábado, dia 17, vou me encontrar com colegas de minha turma de graduação, que, em 1974, concluiu o bacharelado em Comunicação Social na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, a aguerrida FAFICH da rua Carangola, em Belo Horizonte. Da numeroso grupo de 50 alunos, não poucos, hoje sessentões, mantiveram o ritual de se reunir todos os anos, no mês de dezembro, para relembrar passagens inesquecíveis da faculdade. As festas de confraternização sempre ocorreram em algum bar ou restaurante de Belo Horizonte. Neste ano, excepcionalmente, o encontro vai se realizar em Tiradentes, na casa de uma das meninas da turma, Maria Cristina Bahia.
É mesmo um acontecimento incomum nos dias de hoje. O convívio frequente com um outro colega de escola já é uma raridade, imagine então rever grande parte deles, anos seguidos, agora em 2011, 37 anos depois da formatura. E se a maioria não participa, quem não pode vir não deixa de se comunicar com o grupo para desculpar-se pela ausência, desejar boas festas e cobrar o envio das fotos que vão registrar como foi o encontro. O que será que ainda nos motiva para a renovação desse ritual, eu me pergunto? Mais do que a enorme saudade dos tempos da juventude, me arrisco a supor que se deva ao sentimento de pertencer a uma coletividade com peculiaridades identitárias bem definidas, algo singular nesses dias de identidades híbridas, mutantes.
Já estou me preparando para ouvir histórias que se repetem desde a década de 1970, retomar brincadeiras que reacendem lembranças tão caras, desmanchar-se em infindáveis brindes e expressões de afeto.

Prazer da insatisfação

As gratificações vou extrair de meu trabalho como professor orientador do mestrado em Crítica da Cultura na Universidade Federal de São João del-Rei. Ao me aposentar em fevereiro, tinha a consciência de que ainda teria que cumprir algumas tarefas antes de me entregar totalmente aos prazeres do ócio. Se não me contentava apenas em cumprir tabela até a defesa de dissertação de meu último orientando, não me iludia com a possibilidade de me envolver intensamente com objetos de pesquisa de alunos. Não é bem isso que vem acontecendo. Estou experimentando de novo a satisfação com a atividade intelectual de interpretação e análise de questões relacionadas à comunicação, às artes e aos processos culturais, em um contexto mais amplo. Mais importante é que isso tem se dado em um situação de diálogo, de troca, de descoberta conjunta, muito próxima do que entendo ser a relação ideal entre professor e aluno.
O que especificamente tem me proporcionado essa gratificação culmina nesta quinta-feira, dia 15, na sessão de defesa da dissertação da mestranda Aline Torres Carvalho sobre o espetáculo da narrativa midiática da trajetória de herói virtuoso de Chico Xavier. Assim aparentemente, se trata apenas de mais um trabalho acadêmico de mestrado. No entanto, muito mais relevante do que as observações e reflexões que a pesquisa suscitou foi a riqueza do processo de feitura da dissertação.
Entre as muitas virtudes de Aline- sagacidade na compreensão e articulação dos referenciais teóricos, clareza e fluência de raciocínio e de escrita- uma foi fundamental: a de nunca considerar o trabalho satisfatoriamente concluído. Mal acabava de fechar um trecho, lá vinha Aline com suas dúvidas, em incontáveis e-mails ou nos encontros presenciais.  Em alguns momentos, eu cheguei a ficar transtornado: "ah não, essa Aline não sossega".Aos poucos, até por afinidades de signo - somos virginianos, irremediavelmente inseguros, pessimistas e autocríticos- aprendi a lidar com tudo isso com muito bom humor. Só agora sei que o bom o humor não veio por acaso, resultou do prazer que o comportamento instigante de Aline provocava. Deixei-me contagiar por aquele estado permanente de"insatisfação intelectual" e passei a dar vazão a análises e reflexões que estavam contidas e receber com o máximo de
abertura às reaçõe- às vezes pareciam provocações- de Aline. Esses instantes me fizeram sentir realizado como pesquisador, professor e até mesmo pensador. Maior recompensa não poderia pretender, porque dessa experiência tiro a lição de que nossas potencialidades sempre estarão à espera do estímulo propiciado por uma oportunidade.

Prontidão para oportunidades.

Justamente ao começar a falar sobre as perspectivas para 2012, fica mais claro na consciência o quanto foi importante desfrutar a gratificação que descrevi nos parágrafos anteriores. Foi um alerta para me colocar em prontidão para identificar as oportunidades que surgirão com o novo ano. Não interessa de que natureza sejam essas oportunidades: culturais, profissionais, sentimentais, espirituais. Devo ter sensibilidade e capacidade para aproveitá-las adequadamente e me aprimorar como ser humano em crescente estado de harmonia com tudo que me cerca, ou melhor, me expande
Termino o ano desfrutando recordações do passado, gratificações do presente e perspectivas para 2012. No sábado, dia 17, vou me encontrar com colegas da turma de 1974, da graduação em bacharelado em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a aguerrida FAFICH da UFMG. Quase todos os anos no mês de dezembro, da turma original de 50 alunos, um grupo de hoje sessentões se reune, eu diria exclusivamente,  para relembrar passagens especiais daqueles tempos da faculdade. As festas de confraternização

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Acorda São João del-Rei - 7 de dezembro de 2011

Nada  melhor do que uma data comemorativa - aniversário de pessoas, de festas profanas e religiosas, de fatos históricos, de conquistas esportivas- para ativar os mecanismos de nossa memória. A celebração dos 307 anos de fundação de São João del-Rei, amanhã, dia oito, me faz recordar principalmente das alegrias que vivi nesta cidade desde fevereiro de 1988.
O que mais me impressiona é a constatação de que foi em São João del-Rei, entre todas as cidades onde morei - São Vicente de Minas, Belo Horizonte, São Luís do Maranhão, São Paulo- que eu passei a maior parte de minha vida, 23 anos. Não só pelo período tão extenso, mas por ter me envolvido tanto com a cidade, hoje São João del-Rei é minha terra, quando alguém me pergunta de onde sou. Isso sem apagar minha visceral ligação com São Vicente de Minas, torrão e berço natal.
Essa mesma sensação de pertencimento à cidade se estende a minha esposa, Lúcia - paulista, de Olímpia- e aos filhos Fernando e Vítor, ludovicences (o gentio de São Luís do Maranhão) de certidão e Anita, paulistana. Os filhos, aliás, se enraizaram tão profundamente na cultura da cidade que, aí sim, praticamente se esqueceram de outros vínculos. Seus amigos de infância e adolescência, seus colegas de escola, as primeiras namoradas e namorados são quase todos são-joanenses.
Grande parte de minha existência na cidade se deu através de minhas atividades profissionais na Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei, FUNREI, posteriormente promovida à Universidade Federal de São João del-Rei-UFSJ. Tenho muito orgulho de ter participado ativamente da construção da universidade, ao lado de amigos e amigas, entre os quais destaco, pela maior proximidade de convivência, João Bosco de Castro Teixeira, Magda Assis, Weber Neder Issa, Antônio Carlos Freitas, Paulo Leão, Marco Túlio Raposo, Maria José Cassiano, Mário Netto Borges.
A admiração por São João del-Rei sempre transcendeu essa ligação com a universidade. Talvez porque já na minha juventude, quando estudava em Belo Horizonte, São João era ponto de passagem obrigatória nessas idas-e-vindas. Todavia, só fui conhecer plenamente a riqueza do patrimônio histórico e artístico-cultural da cidade depois que mudei para cá. Antes disso, acompanhei Lúcia em visita à cidade para registrar evidências da preciosa arte barroca e colonial. Naquela época (1979), embora encantados com São João, jamais imaginaríamos que, nove anos anos mais tarde, este seria o nosso lar.

Desde então, passei a conhecer e desfrutar outras expressivas manifestações da cultura são-joanense: a Maria Fumaça e o complexo ferroviário, as orquestras bicentenárias Lira São Joanense e Ribeiro Bastos, a Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano de Almeida (a primeira biblioteca pública de Minas Gerais) com seu valiosíssimo acervo de mais de 4 mil obras raras, a tradição dos rituais religiosos na Semana Santa e outras celebrações, o Teatro Municipal, o Cine Glória... Poderia me alongar excessivamente se citasse todas as belezas da cidade.
Mais minuciosamente, tive também a oportunidade de conhecer os inúmeros jornais publicados aqui a partir do século XIX, que hoje integram o acervo da Biblioteca Municipal. Foi com enorme prazer que coordenei,  junto com a profa. Ana Lúcia, na época diretora da Biblioteca, o projeto de digitalização e criação de base de dados na Internet de coleções desses jornais. Devo ainda à cidade a possibilidade de apreciar a obra jornalística e literária de Otto Lara Resende, nosso escritor mais ilustre. Desse contato com a obra de Otto, alías, resultaram artigos e uma homenagem da UFSJ, no XVII Inverno Cultural.
Pois é, São João del-Rei me deu muito, certamente passei aqui momentos inesquecíveis de minha vida. Já prestes a comemorar bodas de prata de minha existência são-joanense, continuo, no entanto, sem entender porque essa cidade magnífica ainda não conquistou condições elementares de qualidade de vida: planejamento urbano adequado, limpeza pública, trânsito organizado, espaços públicos de lazer e entretenimento, transporte coletivo satisfatório, saneamento básico mínimo nas áreas mais pobres...
Como explicação imediata, poderia atribuir essas deficiências - e outras que não mencionei - à omissão e  ineficiência do poder público, em suas diferentes instâncias: executiva, legislativa e judiciária. Mas isso, além de não resolver os problemas,  indica também o nosso descompromisso como cidadãos, a nossa alienação política. Até quando ficaremos inertes, passivos frente a essa situação. As eleições de 2012 devem ser o começo dessa mudança. Se nada fizermos, não poderemos reclamar dessa situação absurdamente contraditória: um patrimônio histórico e artístico-cultural tão maravilhoso em uma cidade descuidada, feia e suja. Como diria o grande amigo Adenor Simões, acorda São João del-Rei.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A VOLTA DE NOSSO POETISTA Segunda-feira, 28 de outubro de 2011


Esta é uma semana de espera. Sexta-feira, o filho caçula, Vitor, vai voltar depois de uma temporada de um ano, em intermináveis sessões de  experimentos neurocientíficos  no laboratório do Carnegie, no Campus da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Mariland. Aliviamos a saudade, Lúcia e eu, com uma viagem para encontrá-lo em agosto/setembro e pelas benditas tecnologias de comunicação na Internet, o facebook e o skype. Aliás, foi por causa do Vitor e do outro filho, Fernando, que mora no Rio de Janeiro. que incorporamos esses recursos ao nosso cotidiano.                               
Talvez Vitor se sinta um pouco constrangido com essas referências. Como toda a família, inclusive Lúcia e a filha mais velha, Anita, ele preferiria chegar discretamente, sem alarde, como se tivesse saído ontem à noite daqui. No entanto, não será possível satisfazer plenamente essa expectativa, porque superaremos todo o acanhamento para fazer-lhe uma festa para recebê-lo. Maís íntima ou menos íntima, mas uma festa. Durante um ano, Vitor enfrentou com maturidade os desafios de uma nova cultura e os sacrifícios inerentes às  atividades de pesquisador. 
É lógico que estamos muito orgulhosos das conquistas que ele vem alcançando em sua carreira. Para nós, sua família, todavia, o que sempre contou mais em Vitor foi o encanto que ele despertava. Eu não acredito irrestritamente em horóscopo, mas no caso de Vítor, o seu signo de Aquário indica que ele está sempre adiante e isso pode, às vezes, até deixá-lo meio deslocado em algumas situações. Dessa sua capacidade de  antevisão, nós soubemos desde quando ele era bem criança, tanto que me inspirou a escrever um pequeno e singelo poema sobre essa percepção, na segunda metade da década de 1980, quando morávamos em São Luís do Maranhão, onde ele nasceu. Logo que começou a andar e falar, ele manifestava que de fato seu futuro na arte ou na ciência, ou em ambas, já havia começado. Este poema é para você, filho tão bem-vindo.


POETISTA

O teu mundo
não é só aqui
não tem fronteiras,
limites, rios, montanhas
O teu mundo
é o céu
no azul
mágico de uma
lona de circo
a abrigar
anjos malabaristas
em trapézios sem rede
O teu mundo
é o vôo iluminado
de poeta
cientista
ou poetista

Este poema eu fiz para meu filho, Vítor, em alguma noite dos anos 1980)
 





segunda-feira, 21 de novembro de 2011

                  Consciência negra cresceu

Em plena Semana da Consciência Negra, minha memória retrocede até 1988, ano que cheguei a São João del- Rei, transferido da Universidade Federal do Maranhão para a recém-criada FUNREI. Logo no primeiro mês, encaminhado pelo prof. João Bosco de Castro Teixeira, nosso primeiro reitor, me integrei à Assessoria de Comunicação - ASCOM- com Weber Neder Issa à frente de uma equipe muito enxuta e divertida - Andréia Bini, Adriana Neves, Lili e Caju. A missão principal que me atribuiram foi a de produzir o noticiário do Boletim Informativo da Instituição. Nesse trabalho de reportagem e redação, além da orientação de Weber, contava também com a colaboração de Edson da Paz. 
Pois bem, vamos voltar ao assunto que impulsiona esse registro da memória, a Semana da Consciência Negra. No terceiro número do Boletim FUNREI, matéria de capa (foto ao lado) era sobre o I Painel da Consciência Negra, realizado dia 21 de maio de 1988, no Teatro do Campus Santo Antônio. Ao lado da ilustração desenhada pelo publicitário Mauro Marques, um título enfatizava: "Cem anos depois, o negro ainda luta pela libertação".
 Promoção da Divisão de Assuntos Comunitários e do Núcleo de Artes do Departamento de Letras da FUNREI em parceria com o Movimento São-joanense de Cultura Afro-Brasileira- MOSCAB- o painel, coordenado pela liderança histórica da profa. Maria José Cassiano, apresentou seis depoimentos de representantes de movimentos de Cultura Negra de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. As atividades se encerraram no dia 28 de maio, com uma apresentação da Lira São-joanense e palestra do prof. Abgar Tirado Campos sobre " O negro na música brasileira".
Quase 24 anos depois, há ainda muito que conquistar para que o negro tenha o espaço que merece na sociedade brasileira. No entanto, se o MOSCAB se extinguiu, podemos comemorar o avanço da consciência negra, na agora Universidade Federal de São João del-Rei. Convênios de intercâmbio com países africanos viabilizaram a vinda de vários estudantes para a UFSJ. De Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola, Gana e outras nacionalidade, jovens alunos e alunas trouxeram para São João del-Rei todo o requinte da complexa cultura africana. Eles nunca foram muitos, mas com enorme simpatia, chegaram inclusive a promover Semanas de Cultura Afro.
O mentor de outra mudança significativa foi o prof. Manuel Jauará. Sua ação em projetos de pesquisa e extensão na região tem sido decisiva no resgate da cultura negra. O trabalho que realiza para afirmação da dignidade social do negro encontrou reconhecimento de diversas instituições do país e ganhou grande visibilidade na mídia nacional.
Lá de maio de 1988, eu, repórter que cobriu aquele I Painel da Consciência Negra da FUNREI, vejo com muito orgulho o quanto que avançamos. Se isso não for ainda satisfatório, pelo menos é um poderoso estímulo para acalentar a esperança de  que conseguiremos muito mais no futuro.



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

 A cultura nas garras do marketing
                                                       14 de novembro de 2011


O 5º Felit, Festival de Literatura de São João del-Rei , terminou domingo com o lançamento do belo livro produzido por alunos de escolas da cidade, inspirado na obra de Ziraldo, o escritor homenageado neste ano.  Além do empenho e criatividade dos alunos, o livro reflete o trabalho silencioso e eficiente de muitas pessoas de nossa comunidade:  Lúcio Teixeira, Ana Lúcia, Patrícia Monteiro, Sônia Haddad, José Antônio Oliveira Resende, entre outros.
Quanto à repercussão popular e na mídia, o Felit repetiu a timidez de outras edições. À exceção das sessões em que Ziraldo participou, um público muito pequeno participou das atividades realizadas pelo festival. Antes de lamentar a oportunidade perdida  de ver jovens e consolidados escritores, cabe uma reflexão por essa repercussão tão limitada. Por que estudantes da UFSJ, de outros cursos superiores e do ensino médio não participam de em evento cultural tão significativo? Pela inacessibilidade financeira não é, porque todos os eventos são gratuitos. Esta é uma indagação para ser investigada pelos organizadores do Felit.
O público pequeno não se deve também à omissão das instituições são-joanenses. O Conservatório de Música José Maria Xavier, o Centro Cultural Feminino, a secretaria de Cultura de São João del-Rei, a Universidade Federal de São João del- Rei e o Centro de Referência Musicológica José Maria Neves- CEREM, não pouparam apoio ao evento. Como então explicar uma ressonância popular tão acanhada?
Há exatos 21 anos, no início do governo Collor, a antiga FUNREI promoveu o seu 3º Inverno Cultural com minguados recursos. A nova administração federal, sob o pretexto de enxugar as despesas com o serviço público, quase levou a cultura brasileira à ruína. A extinção precoce do Inverno Cultural só não se concretizou porque, à época, por orientação do diretor da FUNREI, prof. João Bosco de Castro Teixeira, o mesmo que não hesitou em garantir apoio do CEREM ao Felit, que me autorizou a buscar parceiros que viabilizassem a sobrevivência de nosso festival.
E aí fomos com pires nas mãos. A primeira parceria conquistada foi com a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, através de seu então diretor, Prof. José Marques de Melo. Da ECA/USP,  recebemos,  sem custos, professores para das áreas de Teoria da Comunicação, de Turismo e da Escola de  Arte Dramática. A Escola Nacional de Circo nos ofereceu outros três cursos.  Na Biblioteca Nacional, e daí vem o gancho para esta crônica, eu e Lúcia encontramos, mais do que a simpatia, a colaboração incondicional do escritor Affonso Romano Sant’Anna, na época diretor da entidade, o mesmo que veio agora trazer, com sua mulher, brilho para o Felit.
Não sei de fato onde acaba toda essa narrativa. O que me inspirou a escrevê-la foi justamente a constatação de que a atividade cultural não se faz apenas com recursos de leis de incentivo. É óbvio que os recursos financeiros são imprescindíveis para o êxito dos eventos. Mas há muita coisa a mais a se conquistar: o maior envolvimento da comunidade, adequação e excelência   artístico-cultural da programação e principalmente a libertação do jugo da ditadura dos interesses do marketing, que determinam a presença de artistas consagrados com cachês absurdamente elevados (não digo isso em relação ao 5º Felit).  
Já estamos à espera do 6º Felit com toda disposição para ajudar a  torná-lo o melhor de todos. Uma parte muito expressiva da cidade quer se juntar a vocês - Lúcio, Mário, José Eduardo e outros de quem não me lembro o nome agora - para que o reconhecimento ao esforço  abnegado que despendem se traduza, a cada ano, em efervescência literária que anime as ruas e as almas de nossa terra.